quarta-feira, 2 de julho de 2014

CUBICANDO REDONDAMENTE II


Ah! Como seria maravilhoso se a roseira depois de decepada pela raiz continuasse a dar rosas! Ah, se as árvores frutíferas dessem frutos depois de mortas! Mas nem aos homens que ousem sonhar nem a ciência humana delirando é permitido tal sonho... É bem possível ou provável que em tese o homem possa viver após terem lhe arrancado as suas vísceras, e até sem coração continue a procriar, desde que lhe reservem os testículos.

Ou através de uma gota de suor propague a sua espécie. E sempre haverá alguém dando prosseguimento a tal tese, espalhando a notícia entre aqueles “seres especiais”, que já foram capazes de eleger redentores da fome, redentores do inferno e nem são filhos de deus nem nada!

Imaginem se fossem! Porém a roseira não dará rosas, mas os espinhos continuam ferindo por longo tempo, quando já ou até infeccionam! Nem o homem sem inteligência deixará frutos depois de moto!

Talvez por isso tenham construído a tese de um inferno e tantos paguem a peso de ouro a cura de um simples ferimento, que por distração lhes tenha causado um inocente espinho, ou até um beijo. Mas o que realmente assusta quem observa de longe é a falta de temor frente aos espinhos da alma, que esta gente ignora; ou finge ignorar em proveito de um bem tão passageiro e pesado, que quando aliviado for de tal madeiro a morte, e aí então nenhuma coisa, coisa alguma poderá servir de exemplo, para ilustrar tal desordem. “E isto tudo acontece porque a tese foi muito bem fundamentada em nome do senhor” para que paguem sem bufar.

Ao cerrarem-se-lhe os olhos defrontar-se-ão com o verdadeiro senhor que é sempre será o inclemente carma!

Diante disso, o que podem os inocentes crentes querer neste mundo mais do que as lágrimas descreverem? é querer demais, algo mais que eles não querem nem poderão ainda ter. Quanto a mim não devia escrever mais nada, embora as lágrimas já não apaguem as palavras nem encubram o céu da minha prece; mas ainda que o sol se esconda eu escrevo mesmo assim, translado do meu peito não sei se já mágoas, às quais não lhe conheço bem a origem, embora desconfie sejam meus limites a causa da minha dor.

Porquanto se me afaste o ânimo de viver e a força com que às pernas movem para seguir o caminho que pretendo percorrer tolham-me um pouco o hálito da vida, e torna mais custoso e difícil o ato de até de respirar.

Mas eu escrevo mesmo assim. Mesmo sem arte insisto nisto de escrever. Talvez ao fazê-lo alimente um pouco mais de tempo à minha vida, por ser único o sopro vital neste meu ato de berrar, e escrever e seguir berrando.

Quando não o faço aos gritos, em silêncio explodem estrondos tamanhos que ao vivo estourariam os tímpanos, e mesmo que respire, arrasto-me ao caos sujeito ao supremo tédio e vontade fraca; e o desprazer de estar de pé leva-me a querer dormir eternamente, para esquecer tal e tamanha mágoa profunda, filha dos sentidos físicos falidos e das sensações metafísicas embotadas, quando mal percebo o de fora a confrontar-se com o dentro em mim. Não sei se é evolução ou involução o fato de achar tedioso o que está dentro, a esta altura relativamente isento, tolerando o de fora. Por isso não culpo mais o mundo, nem condeno as pessoas por minhas tragédias. Conheci pessoas muito semelhantes àquele meu eu arcaico, quando ainda havia em mim curiosidade e observação, e eu culpava as pessoas pelos meus próprios defeitos. Bem, isto eu já não faço porque aquele meu eu adormeceu e eu já sei que fazia isso. Mas não sei, volto a repetir, se é involução ou evolução ou se é até alguma coisa. Só o tédio seguramente é no presente estado algo real; todo o resto é-me completamente obscuro e indiferentemente, e muito até passa sem eu o perceber.

Sou em síntese algo muito semelhante com aquilo que não é nem deixa de ser alguma coisa. Falta-me vontade motora para mudar do estado inerte, ainda que para outro ainda inerte, e é nisto que consistem as minhas tragédias. Viver requer uma espécie de coragem oculta. Às vezes mascarada de impulso, como o desejo, por exemplo, mas eu nem desejar já desejo a qualquer coisa, nem tenho fé. Essa emoção da fé primária e semelhante a tudo que se transforma em objeto desejado...

Pelo menos nessa pequena poça já não creio estar preso a esse estágio, sendo isto o único sintoma de que evoluí alguma coisa e valeu a pena ter passado por esses caminhos, pelos quais passei.

O resto, infelizmente turvou-se completamente se fora vinho e não tenho motivo algum para sorrir. Mas de vez em quando sorrio, ante o espelho do mundo.



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