sábado, 14 de junho de 2014

TEMPO


Na minha juventude dancei todos os ritmos, em quase todos os fins de semana, prolongados. Só me esqueci de tirar o tempo para dançar comigo para olhando em seus olhos lhe perguntar da juventude, mas ele passou desdenhando de mim e me envelheceu.

Hoje de soslaio e envolvido de uma brisa amena, de vez em quando me olha com o rabo dos olhos; e disfarçadamente como quem quisesse dar-me um exemplo ou mesmo um conselho, agita as folhas amarelecidas e as derruba ao chão.

Eu entendo perfeitamente a mensagem desse meio desdenhoso tempo, mas ele é compreensivo e não aponta as marcas no meu rosto da sua passagem por mim; nem eu o culpo por nada, porque não tenha consciência do mal que me faz.

Passa correndo, seu ritmo é esse de passar correndo sem olhar para trás, mas foi absolutamente cortês comigo um dia deixando-se ver o futuro envolvido pela brisa perfumada, quando seria primavera, retornando ainda com as cores e perfume, ao presente outono.

Demonstrou grande apreço por minha pessoa, coisa de que não tenho noticia de amigos que tivessem gesto semelhante, nem solidariedade; mas aprendi com ele certo desdém, pois também a ele ninguém presta atenção quando passa!

Mas de todas as coisas, das quais o tempo dispõe, à memória ainda conserva sob a minha custódia; e à saudade mantém cada sempre viva; ainda que ironicamente seja alimentada de lembranças não exatamente mortas, mas já passadas, de modo que sempre leva quando vai embora um pedaço da parte que hipoteticamente me pertencera.

As coisas idas e passadas é verdade que as leva, porém nas mortas é que reside a raiz mais profundamente viva, e daí nasce estranhamente a essência melancólica do canto lírico!

Essa doce e irremediavelmente triste canção da saudosa alma humana que partiu tecida de tédio e recordação, quando bem cantada remoça o coração de quem ouve, embora irredutível envelheça o rosto e as mãos, que pela ordem é onde mais agudas são das rugas; e também a incerteza e falta de destreza,  mãos trêmulas.

Homenagens não há que chegue para agradecer o tempo, esse impostor que mesmo não existindo transforma e promove a reforma das instituições, enquanto não for possível extinguir algumas pessoas que nelas parasitam.

Outras nunca deveriam ser instituídas, principalmente onde em congressos se reúnem simulacros de homens que se dizem políticos e umas poucas, para não dizer pouquíssimas entidades e fundações, razão pela qual nunca deveriam fechar as suas portas, nem deixar de existir, para que de eterno fossem revestidas e o tempo não pudesse levar seus tesouros com a marca do homem não simplesmente grande, mas homem, apenas homem.

Mas em razão dessas memoráveis e veneráveis calo-me. Já diante daquelas outras numerosas e quase malditas instituições eu dissesse aos seus mentores que certa vez tirei o tempo para dançar, essas “pessoas” inconscientes da sua não existência acreditariam, devido à necessidade de um motivo fútil para negá-lo depois.

Pois quem não sabe que o tempo não existe não o vê, nem sabe que ao passar pode até soprar e se esconder no vento para limpar a velha árvore despindo-a das folhas mortas que reviverão para adubar o velho e mal tratado chão, coisa que os vendilhões do templo e do tempo nem percebem. Ao contrário deste rito simples e honesto do tempo e da natureza, pelo uso espúrio constante que fazem deles se perpetua a mentira, para dar eternidade ao tempo já morto e ao falso homem que atormenta o verdadeiro.


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