Ao final daquela memorável tarde, descia a rua sossegada e
até o sol já brando de raios dourados se refletia em sua cabeça coroada pelo
tempo harmoniosa, e aos seus cabelos brancos dourava majestosos. Descia a rua
sossegada, aquela mulher serena e prosseguia seu caminho.
Aonde iria a nobre dama, aonde iria? E o que andava agora
sorridente em seu coração a consagrar? Saia honesta até os joelhos, blusa
branca, de seda, que ao seu rosto clareava, de cabeça descoberta que não tinha
o que esconder nem ao que quisesse simular, descia a rua sossegada a nobre
dama, sossegada e serena a caminhar.
Quem seria aquela nobre dama? Ninguém ousou lhe perguntar;
e de cabeça luminosa levantada seguia em frente altaneira e bela fêmea, passava
sossegada essa linda mulher a caminhar.
Pela rua afora de espírito sossegado, era o que revelava o
sorriso luminoso de quem cumprira a juventude consagrada e bem vivida. E porque
ao seu tempo colorisse de lealdade, olhou serena e com bondade ao triste semelhante
maltrapilho que passava, e à cabeça inclinando em reverência docemente lhe
sorrira.
Mas seguiu em frente! E ao voltar os olhos para trás só ao
triste mais uma vez o olhou com doçura, de espírito levantado, a nobre dama ao
triste que ficava outra vez sorriu e outra vez voltou a olhar e prosseguiu o
seu caminho.
Três vezes de olhar silencioso olhou a dor no pobre ao passar,
três vezes consciente àquele tombado ser, que sequer sabia quanto sossegada a
nobre dama oferecia em bom olhar da compaixão.
Quem seria a nobre mulher, que ao descer a rua tanta admiração
e bom dizer houve em todos despertado? E quem seria aquele triste, a quem a
nobre dama celebrou três vezes?
Na penumbra da tarde, ao longe desaparece por entre um
clarão do sol poente avermelhado ouro. E de seu rastro meio furta-cor, muitas interrogações
ensejava e até uma saudade longínqua dela nascia. Hoje, além do pergaminho desta
narrativa, habita o imaginário de quem a viu ou ouviu falar que viu em sua passagem,
embora nunca mais vista, tampouco esquecida.
E quem poderá dizer não ser agora algumas décadas depois uma
linda menina de olhos morenos incomuns, cheios de mistério longínquo e sereno? Tanto
que ao sorrir de novo seja sempre alvissareiro, e nunca canse olhar para ela!
Quem era antes e será agora esta criança? Serão a herança dela
ora os cabelos negros, sedosos? E daquele no olhar longínquo os cabelos brancos
fruta cor ao por do sol? Será o bendito fruto daquela altiva dama, que pela via
antigamente tantas mulheres ensinou a altivez de andar na rua?
Quem será a criança ora presente e tantas mais que riem e
alegram a quem triste passe por elas? Quem saberá dizer onde foi parar no tempo
aquela mulher de bela lembrança e aquele triste que por aqui passou? E quem
teria escrito o pergaminho com a narrativa da passagem da Dama Altiva
celebrando o pobre?
Ah, mas estas lindas morenas, mulatas, louras e todas as damas
que ainda agora por aqui passam a sorrir e a olhar, que belas flores, que belas
fêmeas!
É nobre a memória, de não esquecer a nobre dama, que passou
por aqui um dia! E como é gentil e animador vê-la agora nas crianças a
brincar!
Pois quem quer que por aqui passe agora, quem quer que
tenha ouvido falar da nobre dama, renovará a esperança e a certeza de que a
nobre dama nunca mais há de nos deixar, nem ao seu nobre gesto de três vezes ao
triste olhar em reverência! E enquanto existirem mulheres, sempre altivamente hão
de oferecer brilho infantil, sereno, ou já longe do tempo primaveris boas
memórias e outra vez nobres senhoras! E por causa delas, cada vez menos tristes
à beira do caminho!
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