quarta-feira, 11 de junho de 2014

À JANELA (revsista)


Não sei por que ingenuamente pusera-me assim à janela a ver passar quem aqui não anda!

Imagens difusas, quase sem forma passavam correndo e eu sem saber por que me pusera à janela a vê-las.

Mas foi só um hiato de tempo; em seguida me recolhendo aos meus régios aposentos, ainda que muito humildes, mesmo pobres, embora de uma pobreza singela e muito boa estética, que se pode até chamar boa pobreza a quem a riqueza a empobreceria. Por isso são deveras régios e honrados por mim unicamente habitados com elevado orgulho.

E ao perceber esta condição única e por estar onde estou de repente deixei de olhar lá fora e passei a olhar para dentro.

E ainda que não seja dentro a eterna morada, certamente é um lugar do qual ninguém guarda lembrança, por não ter semelhança em gênero, cor ou credo com alguém já conhecido, que jamais poderá me acusar de lho roubar ou que o vou a imitar.

E já agora, aconteça o que acontecer, sem medo de andar aqui, habito-me plenamente e não há nada igual à minha régia residência, e me regozijo com dupla gratidão, ao ver lá fora cada ser humano também com a sua regia residência igual à minha.

E foi dessa perspectiva que ainda há pouco quando à minha janela passava um sem fim de gentes com gestos largos e palavras graves dizendo coisas incompreensíveis, ignorando suas moradas.

E por essas vozes e gestos nem lamento a minha janela apenas entreaberta, pois ao que tenho visto através dela muitas coisas já nem existem ou já nem as desejo ver!

Por isso não lamento a falta de floreiras nem vasos e até estou satisfeito por ter só uma simples janela apenas entreaberta.

Todavia quem poderia imaginar minha janela solta no espaço instalada aberta ou fechada? Evidentemente tenho que ter já uma casa!

Mas reafirmo e faço questão que seja a minha casa humilde, pois de meus régios aposentos cumpre muito bem, sou-lhe grato e fico honrado por isso.

Sim, com todas as premissas vivo ainda, tenho sim uma casa e até caminho com ela onde quer que eu vá!

E quando às vezes valha à pena levantar-me ergo-me de meu trono de pedra, que se encontra no centro de minha casa, para receber quem desejo ver.

Já houve um trono ornado de marfim e outro de cristal, mas nessa época eu ainda nem existia; e é-me então falsa a idéia de um trono de marfim ou de cristal.

Embora eu creia em um único trono mais refinado que esses, mas falar aqui desse trono é impossível por ser único.

Pois sendo único, como descrevê-lo? Se não existe outro para se fazer uma analogia com parâmetros?

Embora a maioria deseje para si um trono pessoal de ouro, e por essa razão nem imagina exista o ÚNICO, e por essa razão nem vale a pena falar mais disso e encerrar o assunto trono é o que urge e rege que se cumpra.

Voltando aos meus aposentos móveis, tem um par de pés e não descalços vão me levando às vezes sem eu querer e sem saber para onde e o que é melhor se é ir descalços ou calçados com os esses meus pés, com os quais nem sempre uso para movimentar-me, equilibrado nas duas colunas psíquicas com ressonância nos ouvidos...

Ah, mas deveras as mãos é que realmente surpreendem! Tanto as metafóricas quanto as de carne com luvas de pelica revestidas ou não, pouco importa se de cromo alemão, ou de algum outro paraíso fiscal sem nome nem identificação, ou se rudes e calejadas mãos trabalhadoras e vazias tais as minhas!  

Irrequieto, este meu móvel edifício não cansa de à toa andar e me levar por aí, mesmo quando sentado deito a minha cabeça sobre o ombro esquerdo, quase dormindo.

Irrequieto e solitário, cada vez mais solitário em razão do já desgastado físico, que operando constantemente profundas transformações o desfiguram, tornando-o quase irreconhecível a quem o conheceu na juventude.

Mas como eu vou dentro dele, chego a divertir-me observando as pessoas titubearem ante a dúvida de quem dentro de casa se encontra agora...

E quem nunca experimentou semelhante espiada, olhando do lado de dentro para fora? Experimente e surpreender-se-á com as atitudes e comentários das pessoas que passam olhando...

A maneira mais interessante e que é possível adotar-se para ficar dentro a espiar é aquela dos pesquisadores de animais, que se escondem dentro das espias camufladas...

É evidente que as pessoas sobre a nossa observação têm atitudes diversas e algumas agem um pouco diferentes dos animais.

Mas outras há que excluindo a voz, a semelhança aumenta muito e até ofende os animais com semelhante comparação.

Entretanto, agradabilíssimas surpresas também se teem, com a maioria das pessoas gentis; essencialmente boas fazem comentários admiráveis de grande apreço e respeito humano, e revelam denodado espírito de amor ao próximo.


Vale, só por isso, semelhante experiência porque estas pessoas façam renascer em nós, não se sabe de onde vinda renascida, a esperança.

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