quarta-feira, 28 de maio de 2014

JULIANA E OS GÊMEOS



Já meio no ocaso da minha cota de tempo vital medida em dígitos de prana, opostamente à das três crianças da casa onde a vida desponta alegre e toda por desabrochar, vai a minha amarelando pálida e triste. E só da presença delas adquiro um sorriso colorido. Talvez melhor dito fosse dizer ser o único colorido possível neste outono de folhas amareladas e os pensamentos meio endurecidos.

Estranhamente o cálcio que aos ossos vai faltando parece subir à cabeça, endurecendo os neurônios. Evidentemente que não é possível cristalizar o pensamento, mas os neurônios em parábola triste sim, podem ser engessados numa cápsula de extrato de calcário bege, já no inicio do outono.

E com poucas lembranças da primavera, o verão na imagem surreal do véu escuro descendo na frente do sol, apaga em definitivo a ilusão de que brilha o dia inteiro para todos!

As folhas secas pelo chão ao sabor do vento dão fim à fantasia escrita no ar de que haverá ensaios de primavera, eternamente, mesmos os que por ventura e atrevidamente se apresentem saltitantes à memória. Em vão saltitam ante as barbas e cabelos brancos, tanto quanto os pés cansados denunciando não muito distante o inverno finalizador de um ciclo.

Mas ainda das crianças o colorido mágico de muitas futuras primaveras extrai do caos um frágil brilho de esperança no olhar essencial da alma. Do rosto já não é possível num gesto de carinho apagar as marcas do tempo em sulcos e traços fundos, a marca que assinala a breve partida sem pátria e sem glória.

Não certamente aquela glória pela qual e por vaidade perde-se a vergonha e a honra para conquistá-la e aumentada na hora da partida na voz demagógica. Mas a glória viva e verdadeira que refratou em vida qualquer desejo mórbido e egoísta, de quem parte em paz.

Sim, esta glória mansa que apascenta o coração dos homens bons, mas como pode quem pensa um pouco mais e melhor extrair ou usufruir a paz, vendo a cor do mundo enlameado e indo morro abaixo? E de tal modo, os poetas que pretendam cantar e viver altas emoções, como hão de rir e festejá-la, quando ainda em guerra vão as gentes?

E eu como nem sou poeta nem desejo viver altas idades, apenas vivo o drama de ser fantasma de um ego real, que se fará em mim a cada dia retratado por mim... E se fosse poeta talvez fosse um poeta cego, surdo e mudo.

E também como as almas dos poetas são tecidas de tédio e saudade, embora não fale das almas dos poetas tendo a minha por modelo, para que o amargor verdadeiramente poético não seja “félico” e vá amargurar a vida dos verdadeiros arautos e impedir subam das masmorras físicas aos arquipélagos do sonho sem nenhuma dor; a alma dos poetas, evidentemente, não a daqueles outros estranhos supostos poetas ou arautos da modernidade quase sem alma, embora grandes vendedores de livros!

Já aqueles inteiros poetas cuja poesia o mundo jamais conhecerá, gozam gloriosamente ser inéditos e eternos. E esta há de ser a arte do verdadeiro artífice das palavras. Tendo ele deixado este mundo ainda jovem sem a ter escrito nada, nem sequer pensado ou sonhado a sua poesia, dele colorir-se-á o céu com as raríssimas flores da sua arte. Desse e outros verdadeiros, infelizmente eu não sou nenhum! Entretanto sei olhar, sei respirar, sei ouvir e às crianças vejo e ouço, respiro o melhor por elas, olho o mais belo por elas e vêem-se por essa janela metafísica poemas universais, escritos em cada gesto espontâneo e livre enquanto aprendem as primeiras palavras!


Para quem lê os poemas que o rei dos poetas escreveu nas páginas do tempo com as estrofes magníficas na forma de pequeninas pessoas, sim as pequeninas pessoas recitam universais poemas! Ah sim, há crianças! Lindas crianças, mas serão apenas crianças? Poemas luminosos em essência, podem ser maculados se houver mãos sujas!  Tomara sejam poemas esperanças de fraternidade, onde a mácula adulta não alcance e contamine! 

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