sábado, 17 de maio de 2014

BALANÇO DA ALMA

Caminho lentamente protegido do sol escaldante ao meio dia, por um velho chapéu de palha tecido pelas mãos mágicas de uma tecedeira de uma tribo indígena.

Ao tecê-lo com suas mãos tão hábeis e ligeiras até sinto cócegas na cabeça. Mãos tecelãs tão mágicas, que de repente o chapéu por absoluto milagre se transforma em frondosa árvore onde, ao seu redor pessoas sentadas tecem diferentes e coloridos sonhos e chapéus. E também eu desejo irresistivelmente descer do alto de mim e à sombra dessa árvore encostar-me para aí descansar.

Ao longe, o rio ainda distante. Mais distante ainda o mar. Muito mais longe quase sonhando ver corre o Ganges milenar, o Indo cortado por extenuadas e místicos barqueiros debaixo deste estranho e mesmo sol.

Turbantes em vez de chapéus são uns trapos pobres enrolados na cabeça. De tronco nu enegrecido pelo sol e a moda milenar de enrolar as partes baixas com farrapos, dão um realismo lírico ao meu delírio.

Estranho a estes seres e os seus braços remos - principais peças de um enredo delirante - cujas cenas não se vêem neste rio Ocidental, pos está ausente o místico milenar mistério dos barqueiros.

Rudes e mortais, os barqueiros deste rio não os posso inserir num enredo metafísico à sombra da velha imagem da Índia. Nem este rio é o rio Ganges nem o Indo, hoje com seus cadáveres e sujeiras abismais no fim do ciclo civilizador Oriental.

Assim é que lentamente me aproximo das margens de cá do rio Ocidental, e a meia distância, do outro lado margeia outro terreno ainda selvagem sem qualquer emoção pela paisagem.
    
Faz demasiado calor para sentimentos metafísicos. Ainda bem que a minha cabeça está protegida por um chapéu de palha tecido por invisíveis mãos de Índias sábias ocidentais! E ao tecê-lo sinto as cócegas de seus abstratos movimentos, que me dão a sensação até de seu respirar.

A aba completamente tecida em delírios de calor forma a copa da frondosa árvore, de ramos densos e verdes.
E à sombra dela protegido, quem diria, criaria a minha maior e melhor ilusão momentânea de entrar em mim! Embora não seja possível voltar no tempo milenar internamente, por encontrar-me preso no centro do meu ser em posição vertical: entre a planta dos pés no chão, e o alto da minha cabeça, que até meus cabelos arranham o fundo do chapéu.

Mas ao olhar o lado de fora repentinamente se desmancha a ilusão da copa da árvore, da aldeia indígena, quando surge novo cenário onde estou: à minha esquerda, já agora de volta à casa de costas para o rio e olhando de frente, vejo apenas os vultos passando em sentido contrário; e à direita observo o ritmo dos passos que vou dando em sincronia com o balanço de braço direito, solto; o esquerdo encostado ao corpo vai apoiado pelo polegar enfiado no bolso da calça, e eu retorno assim num todo relativo a balançar ao ritmo do meu caminhar.

Mas o que desejo irresistivelmente neste momento, já meio cansado, é criar um corpo metafísico e deitar-me nele dentro de mim, com o rosto voltado pra frente debaixo do ombro esquerdo, repousando a cabeça já muito cansada sobre a alma.

Mas para que eu coubesse dentro desse corpo nessa posição, teria que dobrar as pernas para frente e nos joelhos para trás, apoiado acima da “bacia” em posição deitada em posição fetal.

Imagino até que se o braço direito parasse de balançar fosse mais útil e em vez de apenas balançar pudesse abraçar-me de encontro às costelas, mas desisto de deitar-me por duas razões lógicas: a primeira porque temo cair com o balanço do corpo e sem o contrabalanço do braço e ir ter ao baixo ventre e aí prender-me por longo tempo. A segunda, por se encontrar o braço do lado de fora e eu do lado de dentro, tendo as costelas intermediando-nos.

Sigo então neste meu eu sensível hirto dentro de mim, abafado de tanto calor, entre a alma à esquerda e o quase vazio lado direito num ambiente pulmonar ainda cheio de ar, mas bastante escurecido pelo longo tempo que fumei.

Ao alto ainda vai a minha cabeça já sem saber se dentro ou fora, mas certamente debaixo do chapéu. No chão, protegidos por velhas sandálias vão meus pés pelo caminho escaldante de costas para o rio, quando retorno para casa sem dela não ter saído...

Pois eu posso, sim, amigo e paciente irmão ou irmã de jornada que me leem estar assim dentro de mim deitado com a cabeça aconchegada sobre a alma à esquerda, posso sim! Ou de pé a balançar quando caminho e penso. Este exercício de pensar é o único conselho que sempre dou e, por favor, nunca, mas nunca mesmo deixai de pensar!

Pois realmente é assim mesmo: quando caminho o balanço é um, quando penso o balanço é outro. De qualquer modo balanço ao ritmo de mim mesmo, porque de outro modo não é possível nem seria justo o balançar.

O estado de ser dentro ou fora deitado, andando ou a pensar e mesmo até ausente deste meu eu carnal sonhando, é dentro de mim, certamente, enquanto aqui estiver neste meu ir irremediavelmente PASSANDO.

     

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