Caminho lentamente protegido do sol escaldante ao meio dia, por um velho chapéu de palha tecido pelas mãos mágicas de uma tecedeira de uma tribo indígena.
Ao
tecê-lo com suas mãos tão hábeis e ligeiras até sinto cócegas na cabeça. Mãos
tecelãs tão mágicas, que de repente o chapéu por absoluto milagre se transforma
em frondosa árvore onde, ao seu redor pessoas sentadas tecem diferentes e
coloridos sonhos e chapéus. E também eu desejo irresistivelmente descer do alto
de mim e à sombra dessa árvore encostar-me para aí descansar.
Ao
longe, o rio ainda distante. Mais distante ainda o mar. Muito mais longe quase
sonhando ver corre o Ganges milenar, o Indo cortado por extenuadas e místicos
barqueiros debaixo deste estranho e mesmo sol.
Turbantes
em vez de chapéus são uns trapos pobres enrolados na cabeça. De tronco nu
enegrecido pelo sol e a moda milenar de enrolar as partes baixas com farrapos,
dão um realismo lírico ao meu delírio.
Estranho
a estes seres e os seus braços remos - principais peças de um enredo delirante
- cujas cenas não se vêem neste rio Ocidental, pos está ausente o místico
milenar mistério dos barqueiros.
Rudes
e mortais, os barqueiros deste rio não os posso inserir num enredo metafísico à
sombra da velha imagem da Índia. Nem este rio é o rio Ganges nem o Indo, hoje com
seus cadáveres e sujeiras abismais no fim do ciclo civilizador Oriental.
Assim
é que lentamente me aproximo das margens de cá do rio Ocidental, e a meia
distância, do outro lado margeia outro terreno ainda selvagem sem qualquer emoção
pela paisagem.
Faz
demasiado calor para sentimentos metafísicos. Ainda bem que a minha cabeça está
protegida por um chapéu de palha tecido por invisíveis mãos de Índias sábias
ocidentais! E ao tecê-lo sinto as cócegas de seus abstratos movimentos, que me
dão a sensação até de seu respirar.
A
aba completamente tecida em delírios de calor forma a copa da frondosa árvore,
de ramos densos e verdes.
E à
sombra dela protegido, quem diria, criaria a minha maior e melhor ilusão
momentânea de entrar em mim! Embora não seja possível voltar no tempo milenar
internamente, por encontrar-me preso no centro do meu ser em posição vertical:
entre a planta dos pés no chão, e o alto da minha cabeça, que até meus cabelos arranham
o fundo do chapéu.
Mas
ao olhar o lado de fora repentinamente se desmancha a ilusão da copa da árvore,
da aldeia indígena, quando surge novo cenário onde estou: à minha esquerda, já
agora de volta à casa de costas para o rio e olhando de frente, vejo apenas os vultos
passando em sentido contrário; e à direita observo o ritmo dos passos que vou dando
em sincronia com o balanço de braço direito, solto; o esquerdo encostado ao
corpo vai apoiado pelo polegar enfiado no bolso da calça, e eu retorno assim
num todo relativo a balançar ao ritmo do meu caminhar.
Mas
o que desejo irresistivelmente neste momento, já meio cansado, é criar um corpo
metafísico e deitar-me nele dentro de mim, com o rosto voltado pra frente debaixo
do ombro esquerdo, repousando a cabeça já muito cansada sobre a alma.
Mas
para que eu coubesse dentro desse corpo nessa posição, teria que dobrar as pernas
para frente e nos joelhos para trás, apoiado acima da “bacia” em posição deitada
em posição fetal.
Imagino
até que se o braço direito parasse de balançar fosse mais útil e em vez de
apenas balançar pudesse abraçar-me de encontro às costelas, mas desisto de
deitar-me por duas razões lógicas: a primeira porque temo cair com o balanço do
corpo e sem o contrabalanço do braço e ir ter ao baixo ventre e aí prender-me
por longo tempo. A segunda, por se encontrar o braço do lado de fora e eu do
lado de dentro, tendo as costelas intermediando-nos.
Sigo
então neste meu eu sensível hirto dentro de mim, abafado de tanto calor, entre
a alma à esquerda e o quase vazio lado direito num ambiente pulmonar ainda
cheio de ar, mas bastante escurecido pelo longo tempo que fumei.
Ao
alto ainda vai a minha cabeça já sem saber se dentro ou fora, mas certamente debaixo
do chapéu. No chão, protegidos por velhas sandálias vão meus pés pelo caminho escaldante
de costas para o rio, quando retorno para casa sem dela não ter saído...
Pois
eu posso, sim, amigo e paciente irmão ou irmã de jornada que me leem estar assim dentro de mim deitado com a cabeça aconchegada sobre a alma à esquerda, posso
sim! Ou de pé a balançar quando caminho e penso. Este exercício de pensar é o único
conselho que sempre dou e, por favor, nunca, mas nunca mesmo deixai de pensar!
Pois
realmente é assim mesmo: quando caminho o balanço é um, quando penso o balanço
é outro. De qualquer modo balanço ao ritmo de mim mesmo, porque de outro modo não
é possível nem seria justo o balançar.
O
estado de ser dentro ou fora deitado, andando ou a pensar e mesmo até ausente
deste meu eu carnal sonhando, é dentro de mim, certamente, enquanto aqui
estiver neste meu ir irremediavelmente PASSANDO.
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