quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

ILUSÃO



ILUSÃO

Andei por muitas ruas e avenidas, por muitos becos, caminhos largos e estreitos. Enfim passei por muitos lugares dos quais guardo ainda na memória fragmentos daquele meu andar. Só não sei exatamente quem era aquele eu, quando hoje me refiro e falo de mim!

Em cada esquina que parei acabou ficando escrito um signo, para logo em seguida interromper uma pausa, quando precisei escolher um destino.

E até chegar aqui devo ter seguido à direita e à esquerda, embora na ilusão de que seguisse em frente, subindo ou descendo.

Sem saber subi escadas e desci ladeiras, mas talvez até em breves momentos por terreno calmo e plano caminhei!

E de todos os signos, das pausas e marcas, espinhos e gozos, hoje a minha afeição mais forte é por um pessoal eu assinalado nas legendas claras de um caminho em frente, cujas setas e placas indicando a direção guardam detalhes adquiridos pelos sentidos pela observação e um pouco de disciplina.
E por ser contemporâneo de um tempo romântico da minha cidade quase natal, meu coração insiste em recordar cada palmo de chão que nela percorri.

Ainda lá estão ruas, praças, embora alguns edifícios tenham sido derrubados e outros, infelizmente ruíram.
Durante a noite sempre retorno a esses lugares em sonho, mas sou tomada por grande apreensão na hora de voltar para a minha hipotética casa, à qual nunca sei como voltar, por não saber quem sou aquele eu do sonho, que não tem noções do endereço.

Talvez a causa seja não ter grandes pretensões materiais, nem fortes apegos a que persiga.
Também não acalento entusiasmo emocional que me empurre pelo desejo instintivo, nem a sonhos belos embalo na pré-noite. Apenas o silêncio cauteloso, às vezes até meio covarde, mas sempre temperado com um pouco de poesia.

Mas seja qual eu em mim exista nesse espaço noturno que nem sempre é reflexo do homem real procedente do dia, raras vezes tenho sonhos claros.

Penso que é mesmo fenômeno da Maia Budista, segundo a qual tudo no universo é ilusão, e como estou e vou neste mesmo verso, não seria possível ter sonhos precisos em lugares verdadeiros, se eles não existem! Nem eu próprio na totalidade individual existo!

Mas naturalmente sou como sou e vivo o ser revelado pela ciência neurológica, que anuncia muitos eus e nega um ego individual – mas eu não acredito nessa lorota – enfiando no mote de sua fundamentação as idéias filosóficas distorcidas do orientalismo.

Não é verdade que o budismo tradicional defenda essa crença, de que muitas manifestações de naturezas diferentes se manifestem, enquanto entes independentes da consciência de um ser, que interagem entre sim, mas não têm identidade de um ego central, semelhante ao criador supremo.

Nesse caso também a consciência do ego não poderia existir, por absoluta falta de uma identidade central que se reconhecesse no dia seguinte, por exemplo, como o sujeito de ontem.

Tendo mais de uma entidade ou múltiplos eus guardados numa prateleira neurológica, esses indivíduos formariam um arquivo no máximo de indivíduos como de um formigueiro, sem consciência pessoal.
E quando algo individual que naquele conceito científico não existe e não é nada, mas se voa dali com a morte e o cérebro cessa as atividades morrendo com o resto do corpo, o que afinal era o ser pensante, antes de bater as botas?

Em nome de quem, antes da morte, aquele cidadão que a tal pesquisa fizera reclama os seus direitos de autor? A qual seu eu estranho ele seleciona?

O universo, segundo o conceito de Maia é uma ilusão, e é perfeitamente compreensível, posto que deixe um dia de existir, assim como a saudosa rua por onde um dia passei!

Mas há alguém, que no caso sou eu recordando aquela rua; e até sinto uma infinita saudade por ela e pelo cheiro característico da comida árabe, de presença marcante de vários restaurantes naquela região! É evidente que eu não sei quem seja eu, mas sou. O quê, pouco importa!

Todavia o mais importante é saber e eu sei, hoje tenho mais consciência do que tinha ontem, sem a confusão de ser este ou aquele que percebe, pois, sou sempre eu.
Evoluiu dentro de mim e mantenho a consciência de que sou o mesmo de ontem, e estou aqui a aprender com a experiência diária.

Devo ser então um centro específico com uma função universal, tendo a memória para saber qual dentre tantos eus eu fui ontem, para saber quem sou agora.

E eu supero sempre as expectativas de uma ciência materialista, por mais rude seja eu e não permito me condenem à “massa” ou no máximo a uns diferentes centros de relativa consciência autônoma, sujeitando-me à prisão de um cérebro, como se eu fosse um formigueiro.

Há algo indecifrável no cosmo, que a ciência por mais avançada não desvendará, enquanto não mergulhar profundamente na causa que por trás dos efeitos se encontra.
Porque isto ela não pode negar: todo o efeito tem uma causa. Mas são incríveis esses teóricos da área! E como se apegam aos termos lingüísticos!

E até se esquecem e desprezam outros fatores como, por exemplo, no caso da regeneração do cérebro, quem comanda por trás dos neurônios a sua regeneração?

Uma natureza intrínseca, dizem eles, mas de onde vem essa natureza? A resposta deles é a de que faz parte da própria natureza e aí a mesma pergunta gira em círculos, até que se rompa e chegue ou esbarre na causa das causas, mas eles por teimosia negam.

Mas de todas as experiências vividas resultará sempre uma recordação em alguém por trás dos neurônios, e poderá ser afetada, se estes forem lesionados no espaço cerebral reservado à memória, por ser o cérebro o processador das informações; mas esse cérebro jamais será o senhor da consciência.

O ser oculto, enquanto ego superior paira sobre o inferior, que não desperta para a sua realidade universal, mas é quem mais ou menos usa as regiões cerebrais e seus habitantes, que são os neurônios.
Já a consciência central representa a quantidade de informações acumuladas ao longo do tempo de conceitos, teorias, educação, formação, religiosidade, espiritualidade, alimentação, conceitos de bem e de mal, etc.

E é o que ao fim resulta como entidade (ente civilizado) individual, mas em conjunto forma a civilização global afetada pelos conceitos dominantes, tanto científicos quanto religiosos, tanto políticos quanto educativos e sociais, numa forma mental coletiva ainda muito atrasada, enquanto modelo ideal para o homem idealizado há milhões de anos na mente insondável do Eterno, e até revivida mais claramente na Grécia antiga, no conceito do EU.

Mas em cada indivíduo haverá uma representação diferente, não obstante o cérebro ser igual em todos e a substância única que lhe dá a forma!

Em mim, porque a poesia insista em fazer porto, mesmo eu não estando apto a satisfazê-la maracá terreno a saudade, e revolve-se em nevoeiro noturno, fragmentada em lances recortados de imagens confusas.
E quando sonho quase sempre me encontro perdido, ou tentando escalar pelo lado mais difícil um obstáculo intransponível. E ao voltar para casa nunca sei onde moro, nem conheço o caminho de volta.

Em resumo, diria andar sempre perdido em meus sonhos, com apenas uma certeza sentimental: tanto acordado quanto sonhando sinto nas profundezas da alma uma infinita saudade.

Se eu tivesse que definir um ser para além dos conceitos científicos e dogmáticos que sobreviva após a matéria, o chamaria de saudade, ente saudade, mas sou um, dentre tantos hipotéticos outros.
Isto naturalmente não é mera uma metáfora, é um individuo, cujo termo em si nega qualquer conceito contrário. E quem tem juízo ao espírito não é possível negar enquanto substrato ou essência desconhecida do conjunto ego, do qual momentaneamente sou um ente saudade em estado de consciência aportada e processada no cérebro.

Minha casa parece estar muito longe daqui ou de mim, mas só por não ter havido, quem sabe, a realização de algum desígnio carmático.
Mas estas coisas mais as sinto do que as sei; aliás, eu não sei nada! Minha imaginação estacionou à entrada de um túnel, no qual pressupunha ao final encontrar raros conceitos e luminosas idéias que me conferissem alegria e alguma realização pessoal, mas não pude seguir em frente, porque se fechara nos limites da minha inteligência, ainda pouco desenvolvida.

Por isso sonho também de vez em quando com água, barro e lama a servir-me de caminho, que imagino sejam o ambiente de embrião primário.  

Diante desse quadro haverá quem pergunte: - quem é esse perdido? E eu respondo: - sou um eu confuso e meio atormentado, sim, mas em busca de uma identidade real, um ego que de alguma maneira prova que ser é algo muito acima de um conceito lingüístico, e jamais uma ilusão passageira entre neurônios, que até se regeneram se extirpados.

Sou, enfim, como qualquer um, uma alma inquieta dentro de um corpo já meio velho e cansado, protótipo de um ego universal tríplice, cujo espírito seria a suprema inteligência ainda limitada, porque vertida por um minúsculo orifício limita e só me permite compreender apenas o óbvio, na triste condição de um ser ordinário, ou acorrentado Prometeu.  

 Como poderiam então haver sonhos belos, a meio a este perdido caminhar noturno e raras vezes colorido cujo destino é deveras glorioso?
Mas estou atento e alerta para com os modernos sábios, porque desconheçam e mesmo conhecendo-os desprezam os velhos iluminados.

Mas quando digo que eles sabem pouco ou nada, é porque ninguém sabe muito, diante do mistério que envolve o porvir... E porque seja este apenas o verso do verso de Deus e Deus é tão infinitamente Grande!     
Mas além do mistério que envolve a vida, no conceito mais elevado que não está ainda ao alcance dos homens há esperança de momentos mais felizes para a humanidade.

Ainda à mercê de cantos estranhos e crenças fantasiosas não obedece aos impulsos internos silenciosos, mas esses impulsos é que vão construindo o indivíduo.

E se ainda prefere seguir a cabeça de um líder ou de um ídolo, cujo resultado final está muito claramente escrito, um triste e trágico quadro retrata em preto e branco a cor mundanal.
E assim todos imitam todos, e o mais esperto tira partido e explora o mais fraco, sem o menor constrangimento. Tal é seu estado de consciência perante a real essência da vida, que absolutamente ignora.

E assim se escreve a falsa história intelectual, por regra fundamentada por um autor que se aproxime de sua compreensão e entendimento, numa espécie de ciranda onde não é necessário pensar, nem criar, mas citar, citar e citar desde que o citado tenha citado que por sua vez fez citações.
Parece que ninguém quer mais criar novos conceitos que irão modelar novas formas de arte, de ciência literária, nova maneira de agir e sem desrespeitar os sábios de todos os tempos, ora substituídos por outros duvidosos e modernos, mas muito citados.

 Pessoalmente não serei eu exemplo de nada por estar a viver dos fragmentos mentais de minha memória, cuja sensação mais lúcida é meramente uma tremenda melancolia, que já nem sei se é mesmo saudade. Porém indignado com o andar do mundo.
Compreendendo-se por mundo as pessoas que o compõem e causam em nome da arte e da ciência desconcerto e intolerância, causando tremendo estouro e violência, em cima dos mais fracos e pobres.
Para que o fútil na mídia se mantenha no alto e o tal cidadão faça seu discurso científico, outro venda seu peixe político, ou o seu deus aos bocadinhos.      


2 comentários:

  1. Julio,

    1) 'Eu' lírico (andarilho)caminhando hoje mais leve, balançando as mãos. Sabedoria da estrada posta em prática...

    2) Não fazia ideia da extensão da tua capacidade de extrair a beleza vislumbrada e contida num mero pedaço de madeira. São lindas!
    Não importa quantos prêmios já recebeste,de gente gabarita, pois agora o admirador sou eu e assim me expresso: Parabéns!

    (olhos de ver: repletas de 'sinais'. Simbolismos pra dar e vender, excercitam os meus olhos de ver além dos de admirar).

    Obrigada por compartilhar.
    Boa Sorte, Norma

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  2. Obrigado Norma!
    Olhe, na questão dos prêmios, falta exposição.
    Expus uma vez, há muito tempo atrás e realmente, pelo simbolismo
    e em se tratando de Palmas, TO, foi diferente.
    Atraiu todas as tribos rsrsrsr

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