A CIDADE PERDIDA
Já distante no tempo e de remota idade, na minha cidade ainda inacabada
gastei as iniciais reservas de energia e luz.
Com elas poderia terminar a demarcação física definitiva do projeto, mas
por não poder fincar no chão permanente a minha original cruz de sustentação, é
que parece ter havido falhas em algum momento.
Dei-lhe inicio, de algum modo demarquei as bases com as minhas pessoais
escolhas, mas não terminei a ideia original cidadã de acordo com a herança
sanguínea e das características regionais de minha aldeia, devido a falta de alimento físico
cultural.
Mesmo que se trate de uma obra com principio universal, meios e fins para servir deveras a elevada finalidade, sofreu desvios de curso e deixou de
ser o que deveria ser.
A cidade que mal edifiquei e ficou sem a luz pátria logo no inicio
devido uma viagem para longe que tive de fazer e assinalei-a não com a originalidade integral, que viria a ser alterada por hoje morar noutro real endereço.
Apesar de fracas as suas fundações porque fossem os materiais modestos, dotei-a das mais modernas instalações e os seus propósitos são de fato muito honestos.
Nunca pensei, apesar de refinado sonhador, fazê-la de sonho; é que às
vezes o sonho vira pesadelo e é preciso evitá-lo!
Nem quero a minha cidade do espanto para não causar medo; embora nela
colocasse algum mistério e um pessoal segredo.
Mesmo não a tendo acabado com os valores aldeões nem represente um belo
exemplo de arte, a minha inacabada cidade sujeita ao tempo também não tem luxo, mas
guarda o meu mais elevado enlevo.
Ainda que inacabada e seja destinada a pacificar, todavia não através do método
dogmático nem do credo de nenhuma ordem.
E apesar de não ser luxuosa, em homenagem à vida em todas as suas formas
vai a consagrá-la celebrando o saber e o amor.
Poucos recursos, que muitos não os há, mas é com o que de melhor a vida
tem de humano que ela vai se equipando.
A minha cidade tem uma película caiada em tom carmesim rosado que lhe serve
de véu; sustentada por uma central vertical de onde partem conexões para todos
os terminais e órgãos internos, é também dotado de um rio com muitos regatos e finíssimos fios nervosos terminais.
Felizmente ainda nela não se instalou nenhum banco nem financeira estranha
que explore o trabalho, não é a sua natureza, mas com o desvio do mundo até aí
a perdição pode gerar anomalias mercantilistas entre os pequeninos.
Apesar de não ser grande, tem uma floresta de muito rica fauna; e ao
homem triste que por ela passa um sorriso lhe presta, aos feridos socorre e aos
tristes, quando possível acalenta.
Ah, alguém pergunta o que é a minha cidade? É a minha cidade! Mas não é
exatamente uma metrópole com a marca da coisa pública!
E apesar de inacabada naquela etapa inicial onde teria nascido, está já
com o tamanho definitivo devido o seu tempo de vida!
Mas quando me ausento dela
em devaneios ou quando adormeço voo pelo mundo astral, quanta
perda de tempo eu sinto que perco! Melhor o poderia empregar já com a compreensão
relativa que tenho da existência, pois é este o meu pessoal projeto que herdei
da terra, para nele servir ao Eterno.
Externamente expressa a
legítima persona de um comum cidadão, por isso assisto chorando perder-se em mentiras
e desmandos a nossa rica e pobre nação!
Ainda não sabem o que é nem onde está e para quer serve a minha cidade?
Quando está desperta
durante o dia e dormindo durante a noite é mantida por um coração bomba muscular
que a irriga e mantém viva e de pé quando anda.
Mas a minha cidade, ah
a minha cidade, nem eu próprio sei muito bem o que é!
Não é uma cidade
fantasma, não é construída pela fé, mas tem um tempo de vida relativamente curto.
A minha cidade é real, vibra
na batida de um compasso e me leva de agora ao futuro do ainda obscuro amanhã;
depois de uns tantos dias tomba, se desfaz voltando ao pó. Então é feita de pó,
ora bolas!
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