Ato Sétimo
Faz-se neste instante
profundo silêncio, quando de repente, ainda com as luzes apagadas se ouve uma
voz feminina, e logo a seguir uma voz masculina, dando inicio ao:
DIÁLOGO ÍNTIMO
Entre duas personagens momentâneas, que se encontraram
numa biblioteca e começaram a conversar, enquanto aguardavam a hora de voltar:
Ela - Que fizeste àquela linda melodia, que à noite
solitária e de alma enlevada a ouvia, quando no teu jardim, tocavas a tua gaita?
Ele – Já nem me lembrava, de que toquei um dia esse instrumento! Já não me
lembrava!
Nem
sei se era bela aquela música, nem sei!
Ela – Sim, bela e de ânimo levantado tocavas linda melodia! Também certa
feita ouviu-te dizer que não gostavas do canto da cigarra! É verdade?
Ele – Sim, é verdade, pois ainda hoje eu não gosto desse canto estranho,
efêmero, na voz humana. Mas perdoai-me se me falha a memória no momento e não
lembro de nada que te disse!
Ela – Disseste tanta coisa interessante! E fez-me tão bem o que disseste!
Talvez falasses
o que eu precisava ouvir!
Ele – Como é isso? Falei então o que precisavas ouvir sem a
intenção de o dizer? Desculpe, mas isso me é um pouco estranho, e nem sei o que
lhe diga!
Ela – O que bem quiseres! O que bem entenderes! Afinal tens o dom da
palavra, és poeta! Então em nome da arte não te cales, que a tua fala além de
bela também liberta! E quando não liberta tem o dom de alegrar ao triste, e
levar esperança!
Ele – O que me dizes? A minha
pobre e inculta palavra, que nem sempre eu próprio desejo ouvir de tão ignóbil leva
esperança, alegra e liberta? Santo Deus, a quem eu libertaria?
Ela – Isso também eu não sei! Mas talvez alguém ansioso para ouvir a si mesmo,
e sem coragem de encarar-se de frente e atingido com as tuas ferinas palavras, de
repente desperte! Talvez, quem sabe, eu também não sei!
Ele – Atingir alguém, com a minha palavra? Não creio que eu seja esse
atirador certeiro ou ferino! Tampouco guerreiro de qualquer batalha; como então
haveria de salvar alguém, com tão somente a minha palavra, se a mim mesmo não
compreendo?
Ela - Não, tu não és realmente um carrasco agressivo no uso da palavra, nem és
e nem precisas ser também um anjo! Tampouco Demônio ou Deus! Porém, meu bom poeta
podes sim combater o bom combate, com a boa espada verbal, e porque também ousas
sonhar! E de repente são até os teus sonhos convertidos em versos, que andam a
libertar! Quem sabe?
Ele – Como se não bastasse à triste sina minha revestir-me de poeta, acorrentar-me
a essa terra que me é hostil, terei de arcar também com o fado de um sonhador em
versos e prosas? Não, não creio meus versos de sonho e magia salvarem a alguém!
Não! Se os meus sonhos até a mim andam a prender! E de tão banais custam-me tanto
a sonhá-los! E os sonho por não poder evitá-los, que até andam a apoquentar-me
o juízo! Não, não pode ser verdade!
Ela – Sim, em homenagem à língua te digo que sim, é verdade, pois o jardim
onde florescem os teus sonhos em versos sou eu! Sim, sou eu e ao sonhá-los, os teus
versos ressoam em mim!
Ele – Mas quem és tu, afinal?
Embora de mim mesmo pouco saiba, quero saber: quem tu és? Neste momento
imperiosa curiosidade poderosamente exige conhecer qualquer coisa de ti,
qualquer identidade!
Ela – Ah, eu sou o teu mais íntimo! E tu em mim és a gênese da alma... Apenas
alma! Sabes o que é a alma? Por isso não podes olhar-me nos olhos, porque eu
sou o mais profundo do teu olhar e também a que vê! E não poderia então ser tua
fêmea, nem sou mulher!
Ele – És então, de mim, metafísica entidade?
Ela – Talvez! Mas sou metáfora de ti mesmo, isso eu sou mesmo! E um dia,
ao olhares dentro de ti aí me reconhecerás. E se nesse instante quiseres em
minhas mãos o teu bem mais precioso guardar, digo-te, pois que sou agora a tua
anima, e não temas! Sou também o hálito que em tuas narinas o ar vai soprando!
Ele – Nem sei o que te responder! Como posso sentir-me autor dessa arte, que
dizes andar eu a fazer, se não sei mesmo o que sou, nem o que tenho e quase
sempre para mim o sim é não? Diante desta estranha revelação, não sei o que te dizer!
Entretanto, diz-me: o mais elementar princípio de uma personalidade que se
revela e se apresenta, como tu te apresentaste, tem um código pessoal: terás tu
pelo menos um nome, um apelido que seja?
Ela – Interiormente, lá no fundo de ti à primeira parte de tua longa pergunta
sabes muito bem a resposta! E sabeis bem também o que quereis! Então, confia!
Quanto a ter eu um nome, é o meu ser oculto sem nome, mas já sou uma criança!
Atreve-te a trazer-me à existência plena, atreve-te a revelar-me e chamar-me-ei
nesse instante, só nesse instante consciência! Mas depois desse momento
glorioso, para sempre te lembrarás de mim e será para sempre esse o meu nome!
Ele – Quão bela é a tua poesia revelada!
Que bela! Numa única palavra revelas a maravilha das maravilhas! Consciência!
Eu precisava ouvir essa sinfonia perfeita, numa única palavra!
Ela – Sim, essa é a mais pura e bela expressão no sublime jogo da “transformação
e da conquista”! E quem busca de verdade o eixo e o eu real, encontrará a
Consciência! E quando sob seus auspícios andam os seres, estes nunca mais hão de
sujeitar-se às fraudes, nem às mentiras... É por excelência a voz do eu desperto,
e vai muito bem guardada no âmago de cada digno.
Ele – Como é bela e rica essa síntese
fonética! Preciosa, perfeita! Revela toda a beleza da nossa língua, numa única
palavra... CONSCIÊNCIA! Nem carece dizer mais nada. Com/Ciência!
Ela – Silenciemos então essa maravilhosa semente! Silenciemo-la para que germine
em nossos corações, em nossas mentes e cresça!
Ele – Sim! Mas que pena! Já é a nossa hora de voltar!
Ela - Ou será a nossa hora de acordar?
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