terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Língua



Ele, o maior de todos os poetas da língua portuguesa pendurou os órgãos com que contava, num salgueiro. Gloriosamente aí os pendurava juntamente com as suas guitarras e flautas afinadíssimas, depois de magistralmente tocá-los!
E eu, o que afinal penduro se não possuo órgãos para cantar, nem guitarras, nem sequer neste agreste estado há salgueiros?

Quando já se calam a palavra e o ânimo, também a única voz que eu tenho inculta e cada vez mais magoada e triste, cala-se!

Só não se calam as vozes lá de fora misturadas com sorrisos e promessas de carinhos, fantasiando anseios!

Não a mim, que felizmente já cerraram com cimento meus ouvidos a essas estranhas línguas, e à minha idéia de alma não agridem mais.

Mas não é que, por milagre, de repente todas as vozes se calam! Mas de repente, num segundo instante a voz do mundo aos trovões grita novamente impropérios, vende falsas palavras faz todas as promessas de todos os nadas...

E até Deus, que outrora em cerimônia ritualística sequer se podia proferir o seu santo nome, é agora aviltado e oferecido a preços populares às pequenas porções e pequenas medidas! E até nas embalagens de plástico e vagabundas fabricadas na China e contrabandeadas pelo Paraguai, vai sendo despachado deus pelo correio, para onde o encomendarem...

Enquanto isso, crianças vão à escola aprender o que há muito deveriam ter esquecido e os seus pais? Ah, os seus pais, surpresos mal desconfiam quem seja suas crianças!

Uma quase infinita distância existe hoje entre a nova criança e o velho adulto.

Abismos culturais se estabeleceram, e grossas paredes de concreto armado se ergueram entre os homens; e talvez só mesmo o tempo, cuja ação mais preciosa é a morte, poderá corrigir e eliminar os obstáculos em alguns séculos, ou mais!

Contudo, nivelar a sociedade jamais será possível. Enquanto houver indivíduos, haverá fomes promovendo lutas e intolerâncias, conquistas e derrotas, grandes e pequenas mentiras e vontade de um dominar o outro.

E foi assim que um vulgar cidadão passou um dia perto do nosso maior, Camões, ferindo-o de algum modo, mas esse infeliz nem de personagem lhe serviria, pois jamais alguém descobriu sequer o seu nome!

Já o salgueiro soberano e os arvoredos, sim, e as frescas sombras e as fontes, sim, sim enquanto eternas em seu canto e no mundo vivam!

Louvemos então ao Poeta Maior e aos seus pares, e reclamemos respeito a quem escreve e exercita o hábito de fazê-lo, não importando o que escreva; desde que o faça sem motivos financeiros e desde que também não cometa erros graves, estuprando a língua.

E celebrem-se aqueles que a enriquecendo ao longo do tempo, fizeram com que ela adquirisse este lustro magnífico pelo uso culto e popular dom, em luso versejar.

Todavia regrada e muito bem cultivada pelos elitistas das letras! De tal sorte que é hoje uma gigantesca e magnífica obra de arte, cujo ressoar no canto eternizou-a “Ele” e outros Grandes, antes de nos salgueiros e outras árvores frondosas pendurarem os órgãos com que contavam suas alegrias e tristezas, seus amores e fantasias com as belezas que só uma língua mãe pródiga e gentil, pode oferecer.

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