segunda-feira, 5 de julho de 2010

À JANELA

Não sei por que ingenuamente pusera-me assim, à janela, a ver passar quem já aqui não anda!

Mas em seguida me recolhendo aos meus régios aposentos, muito embora humildes, muito embora pobres, porque neste caso a riqueza os empobrece, mas deveras régios e honrados por mim unicamente habitados com elevado orgulho, e ao perceber esta condição, por estar onde estou, de repente, deixei de olhar lá fora e passei a olhar para dentro.

E ainda que não seja dentro a eterna morada, é certamente um lugar do qual ninguém guarda lembrança e não tem semelhança em gênero, cor ou credo com alguém e algo seu já conhecido, que jamais poderá me acusar de lho roubar, ou que o vou a imitar.
Pois já agora, aconteça o que acontecer, sem medo de andar aqui, a mim habito plenamente, e não há nada igual à minha régia residência.

E foi assim que vi ainda há pouco, quando à minha janela passava um sem fim de gentes, com gestos largos e palavras graves dizendo coisas incompreensíveis.
E por essas vozes e gestos já nem lamento a minha janela há muito tempo apenas entreaberta, pois também ao que vejo através dela, às vezes já nem existe ou já não desejo ver!

Por isso não lamento a falta de floreiras nem de vasos e até estou satisfeito por já ter uma simples janela.

Por ela solta no espaço não poder ser instalada, aberta ou fechada, evidentemente tenho já uma casa.

Mas reafirmo ser minha casa humilde, mas de meus régios aposentos cumpre e sou-lhe muito grato e honrado, por isso.

Sim, com todas as premissas vivo ainda, tenho sim uma casa e até caminho com ela!
E quando às vezes valha à pena levantar-me ergo-me de meu trono de pedra, que se encontra no centro de minha casa.

Já houve um trono ornado de marfim, e outro de cristal, mas nessa época eu ainda nem existia; e é-me então falsa a idéia de um trono de marfim ou de cristal.
Embora eu creia em um único trono, mas falar aqui desse trono é impossível, por ser único.

Sendo único, como descrevê-lo, se não existe outro para se fazer uma analogia e obter um parâmetro?

E depois todos desejam para si um trono pessoal de ouro, e por essa razão nem vale a pena disso mais falar, e encerrar o assunto trono é o que urge e rege que se cumpra.

Voltando aos aposentos, móveis, tem já um par de pés, e não descalços vão sem eu querer e sem saber o que é melhor, se ir descalços ou calçados os meus pés, com os quais nem sempre uso para movimentar-me, por nem sempre os usar para caminhar, equilibrado nas duas colunas...

Ah, mas deveras as mãos é que realmente surpreendem! Tanto as metafóricas quanto as de carne com luvas de pelica revestidas ou não, pouco importa se importadas da suíça, ou de algum outro paraíso fiscal sem nome, nem identificação, ou se rudes e calejadas mãos vazias, tais as minhas!

Irrequieto, este meu móvel edifício não cansa de à toa andar e me levar por aí, mesmo quando sentado deito a minha cabeça sobre o ombro esquerdo, quase dormindo.
Irrequieto e solitário, cada vez mais solitário em razão do já desgastado físico, que operando constantemente profundas transformações o desfiguram, tornando-o quase irreconhecível a quem o conheceu na juventude.

Mas como eu vou dentro dele, chego a divertir-me observando as pessoas titubearem ante a dúvida de quem dentro de casa se encontra agora...

E quem nunca experimentou semelhante espiada, olhando do lado de dentro, para fora? Experimente e surpreender-se-á com as atitudes e comentários das pessoas que passam olhando...

A maneira mais interessante e que é possível adotar, para se ficar dentro a espiar, é aquela dos pesquisadores de animais, que se escondem dentro das espias, camufladas...

É evidente que as pessoas sobre a nossa observação têm atitudes diversas e algumas agem um pouco diferentes dos animais.

Mas outras há que excluindo a voz, a semelhança aumenta muito e até ofende os animais semelhante comparação.

Nestes casos estranhos, de quem de repente nos observa é impossível diferenciar e se confundem mesmo com os animais carnívoros, ou não...

Entretanto, agradabilíssimas surpresas também se teem, com a maioria das pessoas gentis; essencialmente boas fazem comentários admiráveis de grande apreço e respeito humano, e revelam denodado espírito de amor ao próximo.

Vale só por isso a pena semelhante experiência, porque estas pessoas façam renascer em nós, não se sabe de onde vinda renascida a esperança.

2 comentários:

  1. Amigo Julio,depois de um tempão aqui a escrever,o comentário deu erro,será que não entrou?mesmo não estando visivel,se não entrou perdi tudo,não gravei.Estou triste,pronto,magoei...


    Fraterno abraço

    ResponderExcluir
  2. Sem mágoas, cara Ana, minha boa irmã!
    Sem mágoas, que a intenção é o que vale; e naturalmente a sua presença... Ora!

    Frateno abraço

    ResponderExcluir