sábado, 27 de junho de 2009

OCULTA DAMA

Disseste-me certa feita, que haverias de me encontrar quando eu estivesse bem acordado, e consciente de que tu vivias...

Mas como não me deste qualquer indicio do lugar aonde vivias, passei a imaginar se não serias uma ilusão, e a tua voz apenas invenção de meus delírios.

Eu era ainda jovem, uns quinze anos, mais ou menos; e a tua voz soava-me gentil e feminina, sempre que fechava os olhos.

E surgia na minha memória, graciosa, na minha imaginação como sendo de alguma secreta namorada.

Tive muitas namoradas, e nem me lembro qual delas seria naquele momento; mas tu, sim; lembro-me bem da tua voz arquetipal, como se gentil e severamente quisesses afastar a todas as outras do meu pensamento, e assinalar um timbre vocal único.

Mas também lembro de que a uma delas, e que eu sei bem quem era, elogiavas repetindo-lhe frases inteiras, como se tivesses dentre todas as outras grande afeição por essa.

Hoje já cansado e de idade madura, ainda não sei quem és; mas aquela de tua preferência que ao longo do tempo pluralizou-se em outras, igualmente de tua simpatia, mas também essas passaram de mim. Não definitivamente, isto não, mas sequer sei por onde andam, ou se vivem, ainda, exceto uma...

Mas tu, afinal, quem és? Alma? Nunca pude saber com certeza se real ou metafísica, se vivias em mim ou algum outro eu oculto falava em teu nome, ou até em nome de algum fantasma.

Ou se mera personagem fictícia que falasse; talvez, quem sabe! Sombra da minha ilusão? Mas ainda vez ou outra escuto a tua voz, já rouca e baixa, sem distinguir muito bem o que dizes.

Vais como eu próprio sumindo no tempo, definhando aos poucos sem que eu saiba ao certo quem sejas.

Infelizmente tudo que nasce – e tu nasceste – certamente igual a tudo mais hás de morrer. Amigos inesquecíveis se foram, amigas tão queridas jamais voltei a ver; nem todos morreram, é verdade que nem todos morreram, mas sumiram por caminhos desconhecidos, tornaram-se ignotos no tempo e desapareceram.

E até tu de quem guardo profundo carinho, mesmo não sabendo quem és somes no silêncio noturno e não mais me acordas como antes, pela manhã, quando levantava sonhando com o teu rosto e ouvindo ainda do dia anterior a voz de uma bela mulher.

É o tempo implacável até com o coração, que em metáfora faz-se um instrumento de amor. Ah tempo cruel, que não perdoas ninguém! Diz-me ao menos quem fala agora baixinho e suave, diz-me quem é essa ninguém!

Se alma fores não podes sucumbir com o tempo, não podes fraquejar como eu! Se alma fores hás de levantar-te para fazer em meu nome as honras da casa.

Eloqüente e em voz clara erguer-te como entidade real, para que venhas a ser eu, quando eu partir!

Mas se tu fores um fantasma charlataneando é bom que te cales para sempre, redimindo-te por todo este tempo em que me usurpaste a atenção, iludindo-me de que poderias ser uma entidade real.

E em circunstâncias especiais até conselheira foste manifestando as tuas preferências... Mas não creio sejas esse fantasma. Todavia sendo alma temo-te enfraquecida e de voz cansada. De qualquer modo, seja lá tu quem fores, segue... E se alma, vive...

Mas se tu fores um fantasma e não morreres transforma-te numa obra de arte, estratificada e pendente de uma árvore milenar de um carvalho pendurada na parede num quadro.

5 comentários:

  1. Que leitura fantástica!
    Me emocionou esse jeito de pura conversa...
    sentes saudade Julio...dessa luzinha que esteve junto de ti,(de certo que era sim o que teus sonhos fantasiavam...)
    Como ficou teu coração?Não cabia em ti, querias ouvir mais?
    Então era...então era...

    Um abraço forteeee...ser especial.

    Leninha.Sol

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  2. VELADA METÁFORA

    Todos nós cavaleiros que algum dia
    a espadeirada no ombro recebemos
    e de joelho em terra prometemos
    batermo-nos com toda a galhardia

    por um nobre ideal na nossa vida,
    temos na mente a nossa Dulcineia,
    a nossa "oculta dama", a nossa ultreia,
    de todo inacessível... à partida.

    Idealizada ou corporificada,
    real ou simplesmente virtual,
    tem cada qual a sua... deificada.

    Ai! do perjuro cavaleiro andante
    que sua íntima dama, vacilante,
    deixa por si cair no pantanal!

    JOÃO DE CASTRO NUNES

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  3. IMPERECÍVEL

    Tu não morreste, amor, porque te vejo
    imaginariamente ao pé de mim
    com teu sorriso, exactamente assim
    como ao longo dos anos te entrevejo!

    Tu não morreste, porque em pensamento
    nunca deixaste de me acompanhar
    por toda a parte, sem me abandonar
    em cada instante, em cada movimento!

    Tu não morreste, porque em meus poemas
    sempre presente estás, ó meu amor,
    independentemente dos seus temas!

    Na sua letra, em tons de arte maior,
    perdurarás indefinidamente
    enquanto para os ler... exista gente!

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  4. Leninha, sempre que o Sol brilha a Leninha
    reina. Obrigado por sua honrosa amizade.

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  5. "Desvelada" já...

    Caríssimo amigo João, nunca de joelhos foi tão grande e nobre ajoelhar, nem a "espadeirada" tão acolhedora e elevada! Nunca.
    Também a Ordem, também o rito, também o segredo.
    Mas já na poesia é o talento, e quem tem, tem,
    quem não tem fica só querendo.

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